Entrevista Pablo Carrilho
Entrevista ao Sr. Presidente da Câmara de Valencia de Alcántara, D. Pablo Carrilho.
Bom dia, Senhor Presidente, somos os alunos de português de primeiro de Bachillerato da Escola Secundária Loustau-Valverde de Valencia de Alcântara. Muito obrigado por conceder-nos a oportunidade de entrevistá-lo para a nossa revista Cortiza. Se ao senhor lhe parece bem, comecemos com a nossa entrevista.
Por que motivo é que o senhor fala perfeitamente a língua portuguesa?
Não acho que fale perfeitamente o português, mas falo a língua portuguesa porque estive a viver 25 anos em Portugal e fiz os meus estudos ali. Além disso o meu pai é português.
Onde é que o senhor fez os seus estudos académicos superiores? Porquê?
Fiz os meus estudos superiores em Lisboa no Instituto Superior de Engenheira porque morava ali, na cidade de Lisboa.
O senhor detém dupla nacionalidade? Tem-lhe sido útil?
Não, não tenho dupla nacionalidade. Quando tinha 18 anos eu e os meus irmãos tivemos que escolher entre a nacionalidade espanhola e a portuguesa, porque nessa época tínhamos de fazer a tropa. Actualmente posso ter dupla nacionalidade mas não acho que seja necessário porque vivemos no contexto da cidadania da União Europeia.
Em que favorece o bilinguismo nas relações económicas e sociais na raia?
Eu penso que é importante para favorecer as relações económicas e é útil saber duas línguas para a falta entendimento não seja uma barreira. Temos bastantes relações com o outro lado da raia. O presidente da câmara de Marvão diz que, actualmente, comigo como alcaide, é mais fácil o entendimento, ao ponto de o auxiliar em reuniões com outras autarquias espanholas da região. Para mim e para os meus irmãos tem-nos sido muito útil.
No seu cargo político, quais são as vantagem de ser bilingue?
Numa vila fronteiriça, como a nossa, na qual os nossos vizinhos mais próximos são os portugueses é bom para trabalhar de forma conjunta e, logo, é mais fácil se há entendimento. O bilinguismo tem ajudado a melhorar e a aprofundar as relações fronteiriças na zona de Valencia de Alcántara.
O Senhor Presidente é um bom exemplo do que é ser raiano? Como é que o Senhor se sente? Mais espanhol ou mais português?
Eu sinto-me um “pouquinho mais espanhol”. Quando eu vivia em Portugal sentia-me mais espanhol, mas agora, longe desses tempos, sinto-me mais português que quando morava em Portugal.
Esta experiência de vida faz-me acreditar que o povo espanhol deveria, por vezes, sair mais do seu próprio país, para sentir saudades e valorizar mais o país onde nasceu e viveu.
De certeza que o Senhor tem alguma história interessante da sua vida sobre esta dualidade ser português/ser espanhol. Pode partilhar alguma connosco?
Havia coisas que nos marcaram quando éramos pequenos e vínhamos a Espanha. Aqui éramos os portugueses e em Portugal éramos os espanhóis. As pessoas costumavam chamar-me Paulinho, porque é o diminutivo de Paulo em português, e, às vezes, não me resultava agradável. No entanto, estávamos perfeitamente integrados mas não nos sentíamos nem de aqui nem de lá.
Recordo uma história pessoal de quando eu era pequeno, tinha 4 ou 5 anos. Uma das minhas tias levou-me com ela a um curso de costura e as mulheres pediam-me com frequência que falasse em português. Uma vez, zanguei-me e disse: “eu não sou um boneco que se puxa da corda e fala!”. Enfim, às vezes resultava um pouco chato estar sempre a traduzir de espanhol para português, tal como havia, e, por vezes, ainda há, um grande desconhecimento do país vizinho, como se fosse um país tremendamente atrasado no qual ainda se fazia a tropa a cavalo e com lança. Acho que não devemos olhar assim para os nossos vizinhos e que, em alguns âmbitos, podemos aprender bastante com eles.
Como são actualmente as relações transfronteiriças entre a comarca de Valencia de Alcántara e o distrito de Portalegre?
As relações são muito boas. Note-se que há 700 anos assinou-se o primeiro acordo transfronteiriço entre Valencia de Alcántara e Marvão. Já nessa época os nossos antepassados tiveram a necessidade de acordar coisas do dia-a-dia (casamentos, animais que fugiam dum lado a outro da fronteira, comércio, etc.), às vezes mesmo contra a política central das capitais Madrid e Lisboa. No ano 2012 retomámos este acordo histórico e temos tido reuniões mensais e trimestrais neste âmbito.
Na nossa escola está a decorrer o projecto REALCE de cooperação transfronteiriça no âmbito do ensino e da educação. E na autarquia que o Senhor representa? Existe algum projecto de cooperação em curso?
Como antes afirmei, temos em curso vários projectos de cooperação com Marvão como a participação do município na Boda Régia, nas Jornadas Gastronómicas e em outras iniciativas. Divulgamo-nos mutuamente. O posto de turismo marvanense tem informação sobre Valencia de Alcántara, e aqui, no nosso posto, temos informação sobre Marvão. Também não nos podemos esquecer do Parque Natural do Tejo Internacional, da Almoçassa, como também da tentativa de publicitar outros municípios limítrofes. O objectivo é que os turistas permaneçam na zona da raia luso-espanhola na qual Valencia de Alcántara está inserida.
E em que ponto da situação se encontra o comboio tão emblemático (como desprezado) da cultura ibérica, o “Lusitânia Express”?
Este comboio agora continua por Salamanca e não passa por Valencia de Alcántara, e isso não é mau, é péssimo! Além disso, o lado português tem a intenção de levantar a linha fisicamente. Este comboio foi importante para Valencia de Alcántara e para toda Espanha já que este comboio tem 130 anos de existência. Também passou por esta linha o “Sudexpress” que unia Lisboa a Paris, passando por a nossa vila. Note-se que primeira vez que o Rei de Espanha, D. Juan Carlos, entrou neste país, foi por Valencia de Alcántara, neste comboio, no “Lusitânia Express” e com o rei entrou o gérmen da democracia neste país e temos que reivindicar isso! Actualmente continuamos com a ligação diária entre Valencia de Alcántara e Madrid, passando por Cáceres, e esta ligação tem um bom uso e é fundamental para a nossa região, tendo uma média de 6 ou 7 pessoas de passageiros diários. Deste lado da raia continuamos a reivindicar a manutenção deste serviço e comboio histórico. O mesmo não se pode dizer do lado português.
Valencia de Alcántara tem um papel fundamental na história da raia e uma riqueza cultural e patrimonial única na realidade dos 1234 km de fronteira que separam os dois países. Como é que o Senhor acha que podemos manter esta especificidade única quando, quer o interior espanhol, quer o interior português, se debate com problemas tremendos de crise, desemprego e esse fenómeno tão evidente que é a desertificação?
Eu penso que se tentamos sair desta dificuldade, desta crise, unidos será efectivamente mais fácil. Se o fizermos de forma unida, conjunta, podemos conseguir ajudas económicas através da Europa, logo se estamos unidos, em sintonia, esse apoio será mais fácil.
Normalmente, e verifico isso junto dos meus alunos, porque também sou professor, a gente esquece-se que conhece o país aqui ao lado. Esquecem-se que conhecem Portugal, porque para nós isso é parte integrante do nosso dia-a-dia e ter outro país aqui tão próximo é um «plus», uma vantagem, porque quem visita Valencia de Alcántara, ou do outro lado Marvão, pode sempre visitar um país estrangeiro. Só temos vantagens se estivermos unidos.
O que é que o Senhor Presidente acha do facto da Escola Secundária de Valencia de Alcántara ter sido pioneira no ensino da língua portuguesa em Espanha, há mais de 25 anos?
É importantíssimo o facto de que a Escola Secundária de Valencia de Alcántara ter sido pioneira no ensino da língua portuguesa em Espanha. Valencia de Alcántara é um dos pontos de contacto mais importantes ao longo de toda a fronteira, fruto de uma certa vocação “cosmopolita”. Como já disse antes, em 1313, há já 700 anos, celebrou-se o primeiro acordo comercial e económico entre Valencia de Alcántara e Marvão, logo estudo da língua portuguesa é necessário para um melhor entendimento na fronteira.
O povo espanhol é um pouco renitente para falar uma língua estrangeira, mas as línguas aprendem-se falando, começa-se falando mal, mas depois melhora-se. Não há que ter vergonha. A Escola Secundaria de Valencia de Alcántara é um modelo a seguir para outras escolas na Extremadura.
E no caso da Câmara Municipal de Valencia de Alcántara, como é que esta instituição pode ser uma “aliada” na promoção da língua portuguesa na comunidade autónoma da Extremadura?
O facto do presidente da câmara ser bilingue e ter origem portuguesa ajuda a promover o português na Extremadura. Portugal é um aliado e um mercado natural, por isso o Governo da Extremadura acha que é importante o “falar português”, a aprendizagem da língua, para as relações com o outro lado da fronteira. Por parte de Valencia de Alcántara requer-se a abertura de uma Escola Oficial de Idiomas onde se possa estudar, para além do inglês, também a língua portuguesa. Também se têm dinamizado cursos, de 30, 40 horas, onde pessoas com necessidade de aprender a língua portuguesa (ao nível do comércio, restauração, hotelaria, etc.) tenham a possibilidade de aprender alguns fundamentos e vocabulário básico úteis para a sua actividade económica e laboral. Outro argumento a favor da língua portuguesa nesta autarquia é que um dos requisitos para formar parte da câmara municipal é o saber português.
Para terminar, como é que o Senhor Presidente antevê o papel de Valencia de Alcántara na raia num futuro próximo? O que acha de uma candidatura desta “Raia” a Património da Humanidade?
Eu penso que, num futuro próximo, teremos que continuar a aprofundar as relações com os nossos vizinhos, só assim podemos sobreviver. Somos um território com demasiadas necessidades, um dos mais pobres e com mais carências. Necessitamos dos projectos transfronteiriços. Estamos a trabalhar numa candidatura da raia para o Património da Humanidade. Temos muito património individual, castelos, o Tejo, antas, dolmens, etc., mas para a UNESCO isso, por si só, não é um requisito suficiente. A única formula para conseguir elevar a raia a Património da Humanidade é unindo-nos todos, e é nesse sentido que várias autarquias, dum lado e outro da raia, estão a trabalhar.
Senhor Presidente, muito obrigado pela sua atenção, simpatia e disponibilidade. Temos a certeza que a sua entrevista será muito interesante para os leitores da revista “Cortiza”. Desejamos-lhe muitas felicidades e o resto de um bom dia.